Andava por uma
estrada deserta quando notei movimento no matagal. Aproximei-me, receoso, e notei um braço cinza e
comprido que se estendia, segurando o chão com suas três enormes unhas. Outro
braço surgiu, com semelhantes garras, e ambos içaram o pequeno pecador para a estrada. Seu tronco era
menor que os braços, quase arredondado, com pelos mais compridos na barriga que
nas costas, e as patas traseiras eram apenas um pouco mais curtas. Entre estas
havia um rabo pequeno e grosso, quase imperceptível
e, no meio das costas, uma mancha clara o marcava. O rosto, porém, era o que
mais chamava atenção. Sua expressão era debochada,
com olhos redondos e bastante separados, um nariz escorrendo e uma boca
constantemente sorrindo. A face parecia uma máscara: fora a boca e o nariz, era
clara como a mancha em suas costas, com duas linhas pretas que envolviam cada
olho separadamente e escorriam para as margens, como uma maquiagem borrada. Se
falasse, porém, diria: “tá tranquilo, tá favorável”.
Fazia cada
movimento seguido do outro, nunca os
sobrepondo. Erguia um braço, erguia uma perna.
Erguia outro braço, impulsionava-se com a outra perna. E fazia tudo isso arrastando o corpo no chão, sequer
cogitando levantá-lo um pouco, sem falar do imenso calor refletido pelo
asfalto. Era merecedor de seu pecado, afinal. Uma coisa o animal certamente
tinha: sorte. Caso algum carro passasse lá, mesmo que estivesse a 20 por hora,
seria para ele impossível desviar. Se fosse um predador, como um lobo, uma cobra ou um homem faminto, nem mesmo suas incríveis garras evitariam sua condição de
almoço. Mas,
como já disse, sua sorte era tão grande quanto sua lentidão, então ele chegou
ao fim da estrada da mesma forma que deve ter chegado ao fim do Purgatório.
Então, do outro lado, viu
a árvore mais próxima e começou a escalada. Seus dois compridos braços
agarraram o mais alto que puderam, cravando
as unhas na madeira. As perninhas impulsionaram seu corpo para cima, agarrando
também a árvore. Seu corpo estava inteiramente encostado na superfície e os braços quase se
encontrando do outro lado davam a impressão de um abraço feliz. Seu rosto
virado para o lado não me perdia de vista. Seus movimentos agora tinham uma complexidade apenas um pouco maior:
braço direito e perna esquerda, perna direita e braço esquerdo. Alcançando
então um galho, o pequeno pecador o agarrou por baixo, deixando o corpo de
certa forma pendurado pelos quatro membros. Seguiu assim, gradativamente camuflando-se na floresta.
Mega tenso o "Quarto Branco", vídeo linkado na palavra superfície...
ResponderExcluir