terça-feira, 4 de outubro de 2016

Quarto exercício: Hipertexto


Andava por uma estrada deserta quando notei movimento no matagal. Aproximei-me, receoso, e notei um braço cinza e comprido que se estendia, segurando o chão com suas três enormes unhas. Outro braço surgiu, com semelhantes garras, e ambos içaram o pequeno pecador para a estrada. Seu tronco era menor que os braços, quase arredondado, com pelos mais compridos na barriga que nas costas, e as patas traseiras eram apenas um pouco mais curtas. Entre estas havia um rabo pequeno e grosso, quase imperceptível e, no meio das costas, uma mancha clara o marcava. O rosto, porém, era o que mais chamava atenção. Sua expressão era debochada, com olhos redondos e bastante separados, um nariz escorrendo e uma boca constantemente sorrindo. A face parecia uma máscara: fora a boca e o nariz, era clara como a mancha em suas costas, com duas linhas pretas que envolviam cada olho separadamente e escorriam para as margens, como uma maquiagem borrada. Se falasse, porém, diria: “tá tranquilo, tá favorável”.
Fazia cada movimento seguido do outro, nunca os sobrepondo. Erguia um braço, erguia uma perna. Erguia outro braço, impulsionava-se com a outra perna. E fazia tudo isso arrastando o corpo no chão, sequer cogitando levantá-lo um pouco, sem falar do imenso calor refletido pelo asfalto. Era merecedor de seu pecado, afinal. Uma coisa o animal certamente tinha: sorte. Caso algum carro passasse lá, mesmo que estivesse a 20 por hora, seria para ele impossível desviar. Se fosse um predador, como um lobo, uma cobra ou um homem faminto, nem mesmo suas incríveis garras evitariam sua condição de almoço. Mas, como já disse, sua sorte era tão grande quanto sua lentidão, então ele chegou ao fim da estrada da mesma forma que deve ter chegado ao fim do Purgatório.
Então, do outro lado, viu a árvore mais próxima e começou a escalada. Seus dois compridos braços agarraram o mais alto que puderam, cravando as unhas na madeira. As perninhas impulsionaram seu corpo para cima, agarrando também a árvore. Seu corpo estava inteiramente encostado na superfície e os braços quase se encontrando do outro lado davam a impressão de um abraço feliz. Seu rosto virado para o lado não me perdia de vista. Seus movimentos agora tinham uma complexidade apenas um pouco maior: braço direito e perna esquerda, perna direita e braço esquerdo. Alcançando então um galho, o pequeno pecador o agarrou por baixo, deixando o corpo de certa forma pendurado pelos quatro membros. Seguiu assim, gradativamente camuflando-se na floresta.


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